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sexta-feira, 16 de outubro de 2015

O Sínodo e a noção de pecado

5 outubro, 2015

Existe ainda a noção de pecado entre os Padres sinodais?

Por Roberto de Mattei – Corrispondenza Romana | Tradução: FratresInUnum.com – Os trabalhos do Sínodo estão confirmando a existência, dentro da Igreja Católica, de um forte choque entre duas minorias. De um lado, um punhado de padres sinodais decididos a defender a Moral tradicional; de outro, um grupo de “inovadores” que parecem ter perdido a fé católica. Entre as duas minorias há, como sempre, um centro mole e indeciso, composto por aqueles que não ousam defender nem atacar a verdade e que são movidos por considerações ligadas mais aos próprios interesses pessoais do que ao debate doutrinário.
Os bispos inovadores, na discussão sinodal sobre a primeira parte do Instrumentum laboris, expressaram sua voz especialmente em dois dos 14 círculos menores: o Anglicus C e o Germanicus. Detenhamo-nos por um momento em uma passagem central do relatório do Circulus gemanicus, que teve como relator o novo arcebispo de Berlim, Dom Heiner Koch, e como moderador o arcebispo de Viena, cardeal Christoph Schönborn.
Os bispos alemães desejam que no documento final não prevaleça uma linguagem negativa, que distancia e condena, de estilo “forense” (“eine negativ abgrenzende und normativ verurteilende Sprache(forensischer Stil)”), mas uma linguagem positiva e evolutiva da posição cristã, que exprima implicitamente algumas posições que são incompatíveis com a posição cristã (“eine positive, die christliche Position entfaltende Sprache, die damit implizit zur Sprache bringt, welche Positionen christilich inkompatibel sind”). Uma linguagem “que comporte também a disponibilidade (cfr. Gaudium et Spes) de acolher os desenvolvimentos positivos da sociedade” (“Dazu gehört auch die Bereitschaft (cf. Gaudium et Spes), von der Gesellschaft positive Entwicklungen aufzugreifen”).
Para se entender o que está por trás dessa linguagem ambígua, é necessário reler as passagens centrais da entrevista concedida em 26 de setembro pelo cardeal Christoph Schönborn ao Padre Antonio Spadaro para a “Civiltà Cattolica”. O arcebispo de Viena nela afirma que é preciso “tomar consciência da dimensão social e histórica do casamento e da família”. Segundo ele, “muitas vezes nós, teólogos e bispos, pastores e guardiões da doutrina, esquecemos que a vida humana tem lugar nas condições impostas por uma sociedade: psicológicas, sociais, econômicas, políticas, em um contexto histórico. Isto tem faltado no Sínodo. (…). Devemos olhar para as inúmeras situações de convivência não só do ponto de vista do que está faltando, mas também do ponto de vista do que já é promessa, que já está presente. (…) Aqueles que têm a graça e na alegria de viver o matrimônio sacramental na fé, na humildade e no perdão mútuo, na confiança em Deus que age em nossa vida diária, sabem como olhar e discernir em um casal, em uma união de fato, nos que coabitam, elementos de verdadeiro heroísmo, de verdadeira caridade, de verdadeira doação recíproca. Embora devamos dizer: ‘Não é ainda uma realização plena do sacramento’. Mas quem somos nós para julgar e dizer que não existem neles elementos de verdade e santificação? (…) Não escondo, a este propósito, de ter ficado chocado de como uma forma de argumentar puramente formalista maneja o machado do intrinsece malum [intrinsecamente mau] (…).A obsessão com o intrinsece malum empobreceu de tal maneira o debate, que estamos privados de uma vasta gama de argumentos em favor da unicidade, da indissolubilidade, da abertura à vida, do fundamento humano da doutrina da Igreja. Perdemos o gosto de uma reflexão sobre essas realidades humanas. Um dos elementos-chave do Sínodo é a realidade da família cristã, não de um ponto de vista excludente, mas inclusivo. (…) Há também situações em que o sacerdote, o guia, que conhece as pessoas no seu foro interno, pode chegar a dizer: ‘A situação de vocês é tal que, em consciência, na de vocês e na minha consciência de Pastor, eu vejo que vocês têm um lugar na vida sacramental da Igreja’. (…) Eu sei que escandalizo alguns com o que vou dizer… mas sempre se pode aprender alguma coisa com as pessoas que vivem em situações objetivamente irregulares. O Papa Francisco quer nos educar para isso” (Matrimoni e conversione pastorale. Intervista al cardinale Christoph Schönborn, a cura di Antonio Spadaro S.I., in “Civiltà Cattolica”, Caderno n° 3966 de 26/09/2015, pp. 449-552).
Esta entrevista deve ser lida paralelamente com a de outro Padre sinodal, de formação cultural germânica, o arcebispo de Chieti-Vasto, Bruno Forte, secretário especial da Assembleia Geral do Sínodo. Em suas declarações ao “Avvenire” de 19 de Setembro de 2015, Dom Forte disse que o Instrumentum laboris expressa “simpatia para com tudo que é positivo, mesmo quando, como no caso da coabitação, estamos diante de uma positividade incompleta. Os critérios de simpatia para com os concubinos são ditados pela presença na sua união do desejo de lealdade, estabilidade, abertura à vida. E quando se percebe que este desejo pode vir a ser coroado pelo sacramento do matrimônio. É lógico então acompanhar esse processo de maturação.Quando, pelo contrário, a coabitação é episódica, tudo parece mais difícil e torna-se então importante encontrar uma maneira de incentivar novos passos para uma maturação mais significativa. (…) Quando há uma coabitação irreversível, sobretudo com a presença de filhos nascidos da nova união, voltar atrás equivaleria faltar com os compromissos assumidos. E esses compromissos envolvem deveres morais que são cumpridos em espírito de obediência à vontade de Deus, que pede fidelidade a essa nova união. Quando existem esses pressupostos, então se pode considerar uma integração cada vez mais profunda na vida da comunidade cristã. Em que medida? Já o dissemos. Incumbirá ao Sínodo propor e ao Papa decidir.”
Como fica evidente a partir das entrevistas citadas, a abordagem dos problemas da família é puramente sociológica, sem qualquer referência a princípios que trascendem a história. O  casamento e a família, para o cardeal Schönborn e o arcebispo Forte, não são instituições naturais, que acompanham a vida do homem desde os primórdios da civilização: instituições que certamente nascem e vivem na história, mas que estando enraizadas na própria natureza do homem são destinadas a sobreviver, em qualquer época e em qualquer lugar, como a célula básica da sociedade humana. Eles pretendem que a família está submetida à evolução dialética da história, assumindo novas formas em função dos períodos históricos e dos “desenvolvimentos positivos da sociedade”.
A “linguagem positiva” da qual fala o Circulus germanicus significa que a Igreja não deve exprimir nenhuma condenação, porque é preciso colher os aspectos positivos do mal e do pecado. Propriamente falando, para eles o pecado não existe, porque toda forma de mal é um bem imperfeito e incompleto. Essas aberrações se baseiam numa confusão deliberada entre o conceito metafísico e o conceito moral de bem e de mal. Do ponto de vista metafísico, é claro que Deus, que é o Sumo Bem, não criou no universo nada de ruim ou de imperfeito. Mas entre as coisas criadas há a liberdade humana, que torna possível o distanciamento moral da criatura racional em relação a Deus. Esta aversio Deo da criatura racional é um mal chamado corretamente de pecado. Mas a noção de pecado está ausente das perspectivas do cardeal Schönborn e do secretário especial do Sínodo, arcebispo Forte.
Negando a existência do intrinsece malum, o cardeal Schönborn nega verdades morais, como aquela segundo a qual existem “atos que por si próprios e em si mesmos, independentemente das circunstâncias, são sempre gravemente ilícitos, por motivo do seu objeto” (João Paulo II, Exortação Apostólica Reconciliatio et paenitentia, n. 17) e rejeita em sua totalidade a encíclica Veritatis Splendor, promulgada precisamente para reiterar, contra a ressurgente “ética de situação”, a existência de absolutos morais. Nessa perspectiva schönborniana se dissolve não somente a noção da lei divina e natural como raiz e fundamento da ordem moral, mas também a noção de liberdade humana. A liberdade é de fato a primeira raiz subjetiva da moralidade, assim como a lei natural e divina constitui a sua forma objetiva. Sem lei divina e natural, não existem bem e mal, porque é a lei natural que permite à inteligência conhecer a verdade e a vontade de amar o bem. Liberdade e direito são dois aspectos inseparáveis ​​na ordem moral.
Porque existem absolutos morais é que existe o pecado. O pecado é um mal absoluto porque se opõe ao Bem absoluto, e é o único mal, porque se opõe a Deus que é o único Bem. As origens de cada situação de miséria e infelicidade do homem não são de natureza política, econômica e social, mas residem no pecado, original e atual, cometido pelos homens. O homem “peca mortalmente (…) quando, consciente e livremente, escolhe um objeto gravemente desordenado, qualquer que seja o motivo de sua escolha” (Congregação para a Doutrina da Fé, Declaração Persona humana, de 7 de novembro de 1975, n. 10, parágrafo 6). Entre os pecados existem aqueles que, segundo as Escrituras, clamam vingança ao Céu, como o pecado dos sodomitas (Gênesis, 18, 20; 19,13), mas existem também outras violações do sexto mandamento, que proíbe qualquer união sexual fora do casamento. É inadmissível qualquer “linguagem positiva” para abençoar tais uniões. Pio XII dizia que “talvez hoje o maior pecado do mundo é que os homens começaram a perder a noção de pecado” (Discurso de 26 de outubro de 1946). Mas o que acontece quando são os homens de Igreja os que perdem o sentido de pecado, e com ele, a própria fé?

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