5 outubro, 2015
Existe ainda a noção de pecado entre os Padres sinodais?
Por Roberto de Mattei – Corrispondenza Romana | Tradução: FratresInUnum.com
– Os trabalhos do Sínodo estão confirmando a existência, dentro da
Igreja Católica, de um forte choque entre duas minorias. De um lado, um
punhado de padres sinodais decididos a defender a Moral tradicional; de
outro, um grupo de “inovadores” que parecem ter perdido a fé católica.
Entre as duas minorias há, como sempre, um centro mole e indeciso,
composto por aqueles que não ousam defender nem atacar a verdade e que
são movidos por considerações ligadas mais aos próprios interesses
pessoais do que ao debate doutrinário.
Os bispos inovadores, na discussão sinodal sobre a primeira parte do Instrumentum laboris, expressaram sua voz especialmente em dois dos 14 círculos menores: o Anglicus C e o Germanicus. Detenhamo-nos por um momento em uma passagem central do relatório do Circulus gemanicus,
que teve como relator o novo arcebispo de Berlim, Dom Heiner Koch, e
como moderador o arcebispo de Viena, cardeal Christoph Schönborn.
Os bispos alemães desejam que no documento final não prevaleça uma linguagem negativa, que distancia e condena, de estilo “forense” (“eine negativ abgrenzende und normativ verurteilende Sprache(forensischer Stil)”),
mas uma linguagem positiva e evolutiva da posição cristã, que exprima
implicitamente algumas posições que são incompatíveis com a posição
cristã (“eine positive, die christliche Position entfaltende
Sprache, die damit implizit zur Sprache bringt, welche Positionen
christilich inkompatibel sind”). Uma linguagem “que comporte também a disponibilidade (cfr. Gaudium et Spes) de acolher os desenvolvimentos positivos da sociedade” (“Dazu gehört auch die Bereitschaft (cf. Gaudium et Spes), von der Gesellschaft positive Entwicklungen aufzugreifen”).
Para se entender o que está por trás
dessa linguagem ambígua, é necessário reler as passagens centrais da
entrevista concedida em 26 de setembro pelo cardeal Christoph Schönborn
ao Padre Antonio Spadaro para a “Civiltà Cattolica”. O arcebispo de
Viena nela afirma que é preciso “tomar consciência da dimensão social e histórica do casamento e da família”. Segundo ele, “muitas
vezes nós, teólogos e bispos, pastores e guardiões da doutrina,
esquecemos que a vida humana tem lugar nas condições impostas por uma
sociedade: psicológicas, sociais, econômicas, políticas, em um contexto
histórico. Isto tem faltado no Sínodo. (…). Devemos olhar para as
inúmeras situações de convivência não só do ponto de vista do que está
faltando, mas também do ponto de vista do que já é promessa, que já está
presente. (…) Aqueles que têm a graça e na alegria de viver o
matrimônio sacramental na fé, na humildade e no perdão mútuo, na
confiança em Deus que age em nossa vida diária, sabem como olhar e
discernir em um casal, em uma união de fato, nos que coabitam, elementos
de verdadeiro heroísmo, de verdadeira caridade, de verdadeira doação
recíproca. Embora devamos dizer: ‘Não é ainda uma realização plena do
sacramento’. Mas quem somos nós para julgar e dizer que não existem
neles elementos de verdade e santificação? (…) Não escondo, a este
propósito, de ter ficado chocado de como uma forma de argumentar
puramente formalista maneja o machado do intrinsece malum [intrinsecamente mau] (…).A obsessão com o intrinsece malum empobreceu
de tal maneira o debate, que estamos privados de uma vasta gama de
argumentos em favor da unicidade, da indissolubilidade, da abertura à
vida, do fundamento humano da doutrina da Igreja. Perdemos o gosto de
uma reflexão sobre essas realidades humanas. Um dos elementos-chave do
Sínodo é a realidade da família cristã, não de um ponto de vista
excludente, mas inclusivo. (…) Há também situações em que o sacerdote, o
guia, que conhece as pessoas no seu foro interno, pode chegar a dizer:
‘A situação de vocês é tal que, em consciência, na de vocês e na minha
consciência de Pastor, eu vejo que vocês têm um lugar na vida
sacramental da Igreja’. (…) Eu sei que escandalizo alguns com o
que vou dizer… mas sempre se pode aprender alguma coisa com as pessoas
que vivem em situações objetivamente irregulares. O Papa Francisco quer
nos educar para isso” (Matrimoni e conversione pastorale. Intervista al cardinale Christoph Schönborn, a cura di Antonio Spadaro S.I., in “Civiltà Cattolica”, Caderno n° 3966 de 26/09/2015, pp. 449-552).
Esta entrevista deve ser lida
paralelamente com a de outro Padre sinodal, de formação cultural
germânica, o arcebispo de Chieti-Vasto, Bruno Forte, secretário especial
da Assembleia Geral do Sínodo. Em suas declarações ao “Avvenire” de 19
de Setembro de 2015, Dom Forte disse que o Instrumentum laboris expressa “simpatia
para com tudo que é positivo, mesmo quando, como no caso da coabitação,
estamos diante de uma positividade incompleta. Os critérios de simpatia
para com os concubinos são ditados pela presença na sua união do desejo
de lealdade, estabilidade, abertura à vida. E quando se percebe que
este desejo pode vir a ser coroado pelo sacramento do matrimônio. É
lógico então acompanhar esse processo de maturação.Quando, pelo
contrário, a coabitação é episódica, tudo parece mais difícil e torna-se
então importante encontrar uma maneira de incentivar novos passos para
uma maturação mais significativa. (…) Quando há uma coabitação
irreversível, sobretudo com a presença de filhos nascidos da nova união,
voltar atrás equivaleria faltar com os compromissos assumidos. E esses
compromissos envolvem deveres morais que são cumpridos em espírito de
obediência à vontade de Deus, que pede fidelidade a essa nova união.
Quando existem esses pressupostos, então se pode considerar uma
integração cada vez mais profunda na vida da comunidade cristã. Em que
medida? Já o dissemos. Incumbirá ao Sínodo propor e ao Papa decidir.”
Como fica evidente a partir das
entrevistas citadas, a abordagem dos problemas da família é puramente
sociológica, sem qualquer referência a princípios que trascendem a
história. O casamento e a família, para o cardeal Schönborn e o
arcebispo Forte, não são instituições naturais, que acompanham a vida do
homem desde os primórdios da civilização: instituições que certamente
nascem e vivem na história, mas que estando enraizadas na própria
natureza do homem são destinadas a sobreviver, em qualquer época e em
qualquer lugar, como a célula básica da sociedade humana. Eles pretendem
que a família está submetida à evolução dialética da história,
assumindo novas formas em função dos períodos históricos e dos
“desenvolvimentos positivos da sociedade”.
A “linguagem positiva” da qual fala o Circulus germanicus
significa que a Igreja não deve exprimir nenhuma condenação, porque é
preciso colher os aspectos positivos do mal e do pecado. Propriamente
falando, para eles o pecado não existe, porque toda forma de mal é um
bem imperfeito e incompleto. Essas aberrações se baseiam numa confusão
deliberada entre o conceito metafísico e o conceito moral de bem e de
mal. Do ponto de vista metafísico, é claro que Deus, que é o Sumo Bem,
não criou no universo nada de ruim ou de imperfeito. Mas entre as coisas
criadas há a liberdade humana, que torna possível o distanciamento
moral da criatura racional em relação a Deus. Esta aversio Deo da criatura racional é um mal chamado corretamente de pecado. Mas a noção de pecado está ausente das perspectivas do cardeal Schönborn e do secretário especial do Sínodo, arcebispo Forte.
Negando a existência do intrinsece malum, o cardeal Schönborn nega verdades morais, como aquela segundo a qual existem “atos
que por si próprios e em si mesmos, independentemente das
circunstâncias, são sempre gravemente ilícitos, por motivo do seu
objeto” (João Paulo II, Exortação Apostólica Reconciliatio et paenitentia, n. 17) e rejeita em sua totalidade a encíclica Veritatis Splendor,
promulgada precisamente para reiterar, contra a ressurgente “ética de
situação”, a existência de absolutos morais. Nessa perspectiva
schönborniana se dissolve não somente a noção da lei divina e natural
como raiz e fundamento da ordem moral, mas também a noção de liberdade
humana. A liberdade é de fato a primeira raiz subjetiva da moralidade,
assim como a lei natural e divina constitui a sua forma objetiva. Sem
lei divina e natural, não existem bem e mal, porque é a lei natural que
permite à inteligência conhecer a verdade e a vontade de amar o bem.
Liberdade e direito são dois aspectos inseparáveis na ordem moral.
Porque existem absolutos morais é que
existe o pecado. O pecado é um mal absoluto porque se opõe ao Bem
absoluto, e é o único mal, porque se opõe a Deus que é o único Bem. As
origens de cada situação de miséria e infelicidade do homem não são de
natureza política, econômica e social, mas residem no pecado, original e
atual, cometido pelos homens. O homem “peca mortalmente (…) quando,
consciente e livremente, escolhe um objeto gravemente desordenado,
qualquer que seja o motivo de sua escolha” (Congregação para a Doutrina da Fé, Declaração Persona humana,
de 7 de novembro de 1975, n. 10, parágrafo 6). Entre os pecados existem
aqueles que, segundo as Escrituras, clamam vingança ao Céu, como o
pecado dos sodomitas (Gênesis, 18, 20; 19,13), mas existem
também outras violações do sexto mandamento, que proíbe qualquer união
sexual fora do casamento. É inadmissível qualquer “linguagem positiva”
para abençoar tais uniões. Pio XII dizia que “talvez hoje o maior pecado do mundo é que os homens começaram a perder a noção de pecado”
(Discurso de 26 de outubro de 1946). Mas o que acontece quando são os
homens de Igreja os que perdem o sentido de pecado, e com ele, a própria
fé?
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