24 fevereiro, 2016
O Anticristo.
Por Vittorio Messori | Tradução: FratresInUnum.com*: Como
será o Anticristo? Sabemos que, em Paulo, nas cartas de João e no
Apocalipse, existem espalhados por toda parte vários avisos prévios de
uma realidade na tradição cristã identificada como (e eu vou citar um
livro de Teologia) “o príncipe do mal que virá e reinará sobre o mundo
no fim dos tempos, antes do retorno definitivo do Filho do homem
estabelecer os novos céus e nova terra”.
Em muitas eras, os crentes pensaram
identificar com aquela misteriosa figura algum personagem histórico
sanguinário: Nero, Átila, Napoleão, Lenin, Stalin e Hitler.
No entanto, há também uma tradição
cristã, mesmo se minoriatária, que coloca o perigo do Anticristo (“homem
do pecado” e “filho da perdição” de São Paulo) não em violência e
sangue, mas no mimetismo dissimulado de uma persuasiva e convidativa
realidade. O livro de Robert H. Benson, de 1907, O Senhor do Mundo, só
recentemente foi traduzido para o italiano e nele o grande adversário de
Jesus se apresenta sob o disfarce de “humanista”, um mestre da
tolerância, pluralismo, irenismo e ecumenismo; [Ele é] um corruptor
sorridente, mais do que um antagonista estridente do Evangelho; um
anulador de dentro mais do que um assaltante do exterior.
Talvez, até agora, poucos souberam que
alguns anos mais tarde, em 1916, a mesma tese foi reproposta por Carl
Schmitt. Schmitt morreu em 1985 com quase 100 anos de idade, e está
entre os que mais vamos ouvir a respeito nos próximos anos: já há uma
indicação exata disto (aumentando a cada dia) na esmagadora bibliografia
de sua obra, que foi por décadas reprimida e exorcizada, uma vez que
ele era, de fato, suspeito de nacional-socialismo. Na realidade, este
brilhante jurista alemão e especialista em política foi rapidamente
descartado pelo Terceiro Reich (no qual, inicialmente, ele viu tão bem o
cumprimento de alguns pontos de sua teoria política) na medida em que
ele foi acusado de “insuficiente e superficial anti-semitismo ” e acima
de tudo por causa de suas “corrupções católicas”.
Na realidade – como estudos recentes têm
confirmado – o catolicismo de Schmitt não era simplesmente cultural e
determinado por seus estudos de juventude em escolas religiosas, mas foi
uma fé professada e vivida até o fim. O que torna este pensador tão
inquietantemente fascinante (redescoberto agora ainda por
ex-esquerdistas, em sua busca confusa por “mestres”, após o colapso de
todos os seus pontos de referência) é que ele inseriu [no seu trabalho]
com o realismo maquiavélico e hobesiano, temas religiosos como culpa,
redenção, salvação, Cristo e o Anticristo. Foi dito que fazia
uma espécie de “teologia política”, embora para aqueles que o leiam
atentamente, o seu trabalho seja, talvez, “política teológica”: uma
discussão sobre a ordem humana das coisas, 1) por ter também em conta o
transcendente e 2) por um confronto com a história, com a consciência de
que não é o quadro geral, mas está destinada a fluir para um mistério
que vai muito além dela.
A partir de 1916, como militar no
exército bávaro, o Carl Schmitt de 28 anos de idade, começou suas
reflexões sobre o Anticristo, com um livro dedicado ao Nord-licht
(“Luzes do Norte” ou seja, “a aurora”) por Theodor Däubler. O jovem
Schmitt, nestas páginas, cita um texto que ele encontrou em “Latin Sermo
de fine mundi” de Santo Efrém. Vale a pena citar o original daquela
passagem realmente singular, segundo a qual, o grande enganador irá
provocar a apostasia de muitos antes da definitiva vitória de Cristo
«erit omnibus subdole placidus, munera non suscipiens, personam non
praeponens, amabilis omnibus, quietus universis, xenia non appetens,
affabilis apparens in proximos, ita ut beatificent eum omnes homines
dicentes: Justus homo hic est!». O que significa dizer:
“dissimuladamente, ele vai agradar a todos, ele não vai aceitar cargos
ou funções, ele não vai mostrar favoritismo para com as pessoas, vai ser
amável para com todos, calmo em todas as coisas, irá recusar presentes,
parecerá afável com o próximo, e assim, todos irão elogiá-lo
exclamando: ‘Eis um homem justo!'”. Este trecho, do latim de São Efrém,
tem uma perspectiva inquietante: o anticristo sob o disfarce enganoso de
“um homem de diálogo”; um pacífico, contido, honesto “humanista”? É
precisamente a essa identidade do adversário que Schmitt parece
favorável: para ele, o Anticristo surgirá a partir de uma sociedade
semelhante ao Ocidente moderno, em que: “os homens são pobres diabos que
sabem tudo e não acreditam em nada”; uma sociedade onde “os mais novos e
as coisas mais importantes são secularizadas: beleza tornou-se o bom
gosto, a Igreja é uma organização pacifista e no lugar da distinção
entre o bem e o mal, o que é útil e prejudicial.”
Em tal cultura, o dissimulado,
“dialogador” Anticristo fará crer que a salvação depende de certezas
sociais e de desenvolvimento. Acima de tudo, (e esta é uma das intuições
mais inquietantes do ainda jovem Schmitt), o Anticristo não será um
materialista, nem um inimigo da religião: antes,”ele irá prover para
todas as necessidades, incluindo aquelas de ordem espiritual”.
Ele irá satisfazer o desejo do homem para
a transcendência, falando sobre espiritualidade, propondo uma “religião
da humanidade”, onde todos estão de acordo com tudo e onde qualquer
divergência é banida, e, acima de tudo, qualquer dogma é visto como um
mal radical.
No momento da sua escrita, logo no início
do século 20, a prospectiva de Schmitt passou praticamente
despercebida, parecendo decididamente improvável. No entanto, não é
talvez o caso de refletir sobre isso hoje, quando o que está nos
ameaçando, na esfera religiosa, certamente não é mais a intolerância,
mas se alguma coisa, o seu oposto: a “tolerância” que se transforma em
indiferença, recusando-se a considerar as várias religiões como algo
mais do que uma forma única (diferenciadas apenas por fatores históricos
e geográficos) de venerar o mesmo, idêntico Deus? Onde o “inimigo” não é
mais velho, honesto materialismo, mas talvez, um insidioso
“humanitário” espiritualismo?
[Do livro Pensare la storia,(Thinking History) San Paolo, Milan 1992, p. 517-519]
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