23 maio, 2016
Declarações explosivas de Dom Georg Gänswein: Existe um “ministério expandido” e Bento XVI ainda é Papa. Como é possível?
O que está por trás de tudo isso? E
é isso o que ainda “impede” Bergoglio de dar o golpe definitivo que
afundaria a Igreja, induzindo-a a mil ambiguidades?
Por Antonio Socci | Tradução: FratresInUnum.com:
O mistério continua e – na bandeira do Vaticano – o branco agora está
sobressaindo. Na verdade, as declarações feitas ontem por Dom Georg
Gäenswein, sobre o “status” de Bento XVI e Francisco, são perturbadoras
(Dom Georg é secretário de um e prefeito da Casa Pontifícia do outro).
A essa altura, não dá para entender mais o que aconteceu no Vaticano em fevereiro de 2013 e o que está acontecendo hoje.
Antes de ver essas declarações, vou resumir a história que colocou a Igreja em uma situação jamais vista.
ESTRANHA RENÚNCIA
Depois de anos de ataques duríssimos, no
dia 11 de fevereiro de 2013 Bento XVI anunciou sua clamorosa “renúncia”,
sobre a qual as verdadeiras razões são ainda motivo de muitas perguntas
legítimas (pois ele deu início ao seu pontificado com uma frase
retumbante: “Ore por mim, para que eu não fuja para medo dos lobos”).
Além disso, depois de três anos e meio de renúncia, ficou claro que não haviam problemas de saúde iminentes, nem de lucidez.
Sua “renúncia” foi formalizada com uma
“Declaração Final”, em um latim um pouco “frágil” (não escrito por ele) e
sem fazer referência- como seria óbvio – ao cânon do Código de Direito
Canônico que regula a própria renúncia do Papado.
Um descuido? Uma escolha? Não sabemos. Em
qualquer caso, a renúncia ao papado não era uma novidade absoluta.
Houve outras, em dois mil anos, embora muito raras. O que nunca existiu
foi um “papa emérito” porque todos aqueles que saíram regressaram ao seu
status precedente.
Em vez disso, Bento, cerca de dez dias
depois da renúncia, e antes do início da sede vacante, fez saber –
desmentindo até mesmo o porta-voz – de que ele se tornaria “papa
emérito” e permaneceria no Vaticano.
UM ESCRITO CONFIDENCIAL? 
Tal escolha inédita não foi acompanhada
por um ato que definisse e formalizasse o “papado emérito” do ponto de
vista do direito canônico e teológico.
E isso é muito estranho. Assim,
permaneceu como indefinida uma situação delicadíssima e perturbadora. A
menos que haja alguma coisa escrita, que, no entanto, permaneceu
confidencial …
De resto, de acordo com os especialistas,
a figura do “papado emérito” não tem nada a ver com os bispos
aposentados, criados após o Concílio, uma vez que o episcopado é o
terceiro grau do sacramento da Ordem, e – quando um bispo de 75 anos
renuncia à jurisdição sobre uma diocese – permanece para sempre como
bispo (a Igreja codificou precisamente, em um ato oficial, todas as
prerrogativas do Episcopado emérito).
O papado, por sua vez, não é um quarto
grau no sacramento da Ordem e os canonistas sempre defenderam que, ao
renunciá-lo, o seu sujeito poderia apenas voltar a ser bispo. (assim tem
sido há dois mil anos).
Em vez disso, Papa Ratzinger – refinado
homem de doutrina – se tornou “papa emérito” e preservou o nome de
Bento XVI do qual se segue o título de “Santo Padre” e até mesmo a
insígnia papal no emblema (algo que surpreendeu, porque os símbolos são
muito importantes no Vaticano) .
E tudo isso não por vaidade pessoal, pois
Ratzinger é famoso pelo oposto: ele sempre viveu o cargo como um fardo e
fez todo o possível para não ser eleito papa.
A questão, portanto, que rola há três
anos, no Palácio do Vaticano, é esta: se demitiu ou realmente – por
razões desconhecidas — ainda é Papa, mesmo que de uma forma nova?
Alimentando o mistério, há também o
discurso de despedida que ele fez na audiência, em 27 de fevereiro de
2013, em que – recordando o seu “sim” na “eleição em 2005 – disse que
era “para sempre ” e explicou:
“O ‘sempre’ também é um “para sempre”- já não há um retorno ao privado. A minha decisão de renunciar ao exercício ativo do ministério não o revoga. “
Eram palavras que deveriam colocar todos a
questionar o que estava havendo (se tratava de uma renúncia unicamente
ao “exercício ativo” do ministério petrino? Era plausível?).
Mas, naquele período de fevereiro a março
de 2013, todos evitaram perguntar ao papa o porquê de sua renúncia, o
sentido daquelas palavras de 27 de Fevereiro e a definição do cargo de
“papa emérito”.
DOIS PAPAS?
O mesmo Papa Francisco – eleito no dia 13
de março de 2013 – encontrou-se em uma nova situação que, em seguida,
ajudou a tornar ainda mais enigmática, desde que na noite da sua
eleição, apareceu no balcão da Basílica de São Pedro, sem vestes papais e
definindo-se seis vezes como “Bispo de Roma”, mas nunca como Papa (além
do mais, não usou o pálio – símbolo coroação papal – no brasão de
armas).
Como se não bastasse, o próprio Francisco continua a chamar Joseph Ratzinger de “Sua Santidade Bento XVI”
Em suma, havia um papa reinante que não
se definia como papa, mas bispo, e que chamava papa aquele que – de
acordo com a oficialidade – já não era mais papa, mas havia voltado a
ser bispo. Um emaranhado incompreensível.
A Igreja, pela primeira vez na história,
se encontrava com dois papas: e quem disse isso foi o próprio Bergoglio,
em julho de 2013, em um vôo do Brasil que o trouxe de volta para a
Itália.
Mais tarde, alguém deve tê-lo explicado
que – pela constituição divina da Igreja – não pode haver dois papas
simultaneamente e, então, ele passou a explicar em ocasiões
posteriores, sua analogia com os “bispos eméritos”. Mas, ele mesmo sabe
que não há nenhuma analogia, pelas razões que eu mencionei acima, e
porque não há nenhum ato formal de criação do “papado emérito”.
HIPÓTESES
Alguns canonistas tentaram decifrar – do ponto de vista legal e teológico – a nova e inédita situação.
Stefano Violi, estudando a declaração do Papa Bento, conclui:
“(Bento XVI) renuncia ao” ministerium”. Não ao Papado, de acordo com o texto da regra de Bonifácio VIII; não ao “munus”segundo o que consta no canon 332 § 2, mas ao ‘ministerium”, ou como ele deixou especificado em sua última audiência, exercício ativo do ministério…”.
Violi então continua:
“O serviço na Igreja continua com o mesmo amor e a mesma dedicação, mesmo fora do exercício do poder. Objeto de renuncia, irrevogável, é de fato o “executio Muneris” mediante a ação e a palavra (agendo et loquendo), não o “munus” que lhe foi confiado de uma vez por todas”.
As consequências de tal fato, no entanto, seriam perturbadoras.
Um outra canonista, Valerio Gigliotti,
escreveu que a situação de Bento XVI abre uma nova fase, que define
“místico-pastoral”, uma “nova configuração da instituição do papado que
está atualmente à mercê de uma reflexão canônica”. Isso também é
perturbador.
A BOMBA DE DOM GEORG
Então ontem, Dom Gaenswein, durante a
apresentação de um livro sobre Bento XVI, explicou que seu pontificado
deve ser lido a partir de sua batalha contra a “ditadura do
relativismo”.
Depois ele disse literalmente:
“Desde a eleição de seu sucessor, Papa Francisco – no dia 13 de março de 2013 -, não há, portanto, dois Papas, mas na verdade um ministério expandido com um membro ativo e um outro contemplativo. Por este motivo, Bento não renunciou nem ao seu nome e nem à sua batina branca. Por isso, o título próprio pelo qual devemos nos dirigir a ele ainda é “santidade”. Além disso, ele não se retirou para um mosteiro isolado, mas continua dentro do Vaticano, como se tivesse apenas se afastado de lado para dar espaço para seu sucessor e para uma nova etapa na história do Papado que ele, com esse passo, enriqueceu com a centralidade da oração e da compaixão feitas nos jardins do Vaticano”.
Trata-se de declarações explosivas, cujo
significado dá muito o que entender. Quer dizer que, de fato, desde o
dia 13 de março de 2013, há “um ministério (petrino) expandido com um
membro ativo e outro contemplativo”?
E dizer que Bento XVI “apenas” (enfatizo o
“apenas”) deu um passo para o lado para dar espaço ao Sucessor? Chegam
mesmo a falar de “uma nova etapa na história do Papado”.
E tudo isso – diz Gaenswein – faz
entender por que Bento XVI “não desistiu de seu título e nem da batina
branca” e por que o título pelo qual devemos nos dirigir a ele ainda é
“Santidade”.
Uma coisa é certa: é uma situação anormal e misteriosa. E há algo importante que não estão dizendo…
Antonio Socci
“Libero”, 22 de maio de 2016